quinta-feira, 30 de abril de 2015

Transtorno Dissociativo de Identidade e Psicossomática

As Faces De Eva

Corpomente



Assim que a última paciente do dia entra no consultório, o exausto dr. Martin Birnbaum, conceituado oftalmologista da Universidade de Nova York, após uma semana inteira de trabalho, verifica no seu fichário de identificação os dados da cliente que acabara de chegar: Anne Grace, sexo feminino, branca, 38 anos.
-Bem - disse o médico. Vamos começar. Em seguida colocou uma gota de anestésico em cada olho de Anne Grace, advertindo-a:
-Pode arder nos primeiros segundos, mas passará quase imediatamente. É necessário para que eu possa examinar detalhadamente seus olhos e aproximar alguns medidores da córnea.
Enquanto a examinava, Birnbaum continuava a fazer perguntas. Estava novamente absorto no trabalho e, esquecido do cansaço, estendeu a mão para pegar os óculos de Anne Grace que estavam sobre a escrivaninha. Teve um misto de perplexidade e estranheza quando confrontou os resultados do que tinha observado no exame clínico da acuidade visual com o que indicava o aparelho que mediu as correções óticas das lentes.
-Seus óculos estão totalmente errados. Não fazem sentido para o tipo de alteração que você apresenta.
Ao contrário do oftalmologista, a moça não demonstrou a mínima surpresa e respondeu calma e serenamente ao seu médico:
-Isso acontece porque esses óculos foram feitos para Anne Joyce, e não para mim.
-Você quer dizer que está usando óculos feitos para outra pessoa?
-Não é bem assim. - respondeu ela.
Birnbaum, irritado e contrariado, contêm-se e a repreende:
-O que você quer dizer com ‘Não é bem assim’? Pegou os óculos de outra pessoa e os usa como se fossem seus? Além de não resolver seu problema de visão, pode até agravá-lo. Nunca se deve fazer isso. Parece-me falta de respeito com a própria saúde. Tantos anos de clínica, e é a primeira vez que vejo alguém usar óculos de outro. – desabafou.
-Dr. Birnbaum – continuou tranquilamente a jovem – Eu não quis dizer que estou usando óculos de outra pessoa, mas de certa forma, o senhor tem razão. Acontece que Anne Joyce, para quem esses óculos foram feitos, é outra personalidade que habita em mim. Tenho Transtorno de Personalidade Múltipla, e esses óculos que o senhor está segurando foram feitos para Anne Joyce, umas de minhas outras personalidades. Se não consigo enxergar direito com eles, é porque neste momento sou Anne Grace, e não Anne Joyce.
Com a maior naturalidade que consegue demonstrar, Birnbaum termina a consulta indicando os óculos certos para Anne Grace e pede que guarde os outros para quando Anne Joyce reaparecer.
Um mês depois, sua cliente reapareceu queixando-se de não estar enxergando bem do olho direito. Birnbaum, recordando-se da última visita, prefere não perguntar qual das personalidades estaria agora à sua frente, temendo perturbar a moça. Em seguida, passou a examiná-la. Apenas o olho direito revelou nítida hemianopsia (perda do campo visual de uma das metades do olho). Um mês após esta entrevista, a paciente foi outra vez examinada, e a hemianopsia desaparecera. A moça confessou que, à época da hemianopsia, a personalidade presente era Anne Joyce. Ao examiná-la, Birnbaum constatou ligeiro defeito na refração. Mais tarde, discutiu a perda do campo visual com a paciente. Ela confessou que, quando menina, sofrera abuso sexual junto com mais uma criança, e que fora forçada a olhar enquanto a outra sofria o abuso.
Durante todo o período em que fora médico dessa moça, o dr. Birnbaum ia constatando alterações na acuidade visual à medida em que as personalidades se revezavam.
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Billy Milligan
O Homem com 24 Personalidades

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Hoje Eu Sou Alice - Nove Personalidades, uma Mente Torturada
ALICE JAMIESON

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Fonte:
O Homem que Fazia Chover - Edson Amâncio - Ed. Barcarolla
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Os casos encontrados na literatura sobre o Transtorno Dissociativo de Identidade (anteriormente conhecido como Transtorno de Múltipla Personalidade) não são muito elevados. Alguns se tornaram célebres ao serem retratados no cinema como As Três Faces de Eva e Sybil ; e mais recentemente os livros The Minds of Billy Milligan de Daniel Keyes e Hoje Eu Sou Alice, onde a própria portadora do transtorno relata em primeira pessoa a sua trágica história dos bárbaros e incontáveis abusos sofridos desde seus dois anos de idade. 
O interessante caso de Anne Grace e seu oftalmologista, o dr. Birnbaum, exposto acima, comprova a unidade fundamental do corpo e da mente. As personalidades, além dos comportamentos e temperamentos singulares, apresentavam distúrbios ¨orgânicos¨  distintos e mensuráveis.  
As doenças contam uma história.
Georg Groddeck
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